Preciso começar esse texto dizendo que eu queria muito ter feito algo para postar no Dia da Mulher. Segundo ano em que eu falho nisso. Mas antes tarde do que nunca, preferi postar hoje, uns dias depois, do que deixar passar em brando ou deixar pra ano que vem e correr o risco de não fazer, de novo. O Dia da Mulher é um dia de luta política. Um texto da Comissão de Promoção de Igualdade Racial, Gênero e Diversidade do IBC (Instituto Benjamin Constant) foi publicado no site do Governo Federal e é bem explicativo em relação ao tema, para quem quiser ler um pouco sobre o assunto.
Levando isso em consideração, para essa lista de recomendações, eu pensei em mangás com um teor mais reflexivo, que a própria narrativa se propõe a debater alguns temas envolvimento a realidade de "ser mulher". É bem como diz o título, são mangás cuja temática e narrativa giram em torno de refletir sobre as situações que decorrem da condição de ser mulher nos dias de hoje. As pressões, expectativas, imposições de gênero, frustrações e anseios que decorrem a nossa socialização dentro de uma sociedade patriarcal, que depende do controle de nossos corpos para prosperar. Também são mangás que tratam sobre como podemos e devemos enfrentar essas imposições sociais, além de abordar a alegria e a importância de ter outras mulheres com as quais podemos compartilhar a vida.
Zutto Dokushin de Iru Tsumori?, Mari Okazaki
Foi um dos primeiros mangás que eu li esse ano e ele precisava ser o mangá de abertura dessa lista. "Zutto Dokushin de Iru Tsumori" conta a história de três amigas, cujo status de relacionamento, ou falta dele, gera julgamentos, inseguranças e reflexões. Se casar é realmente o que traz felicidade? Trabalhar com o que gosta e boas amizades não é são o suficiente para ser feliz? O mangá entrelaça a história dessas três amigas para nos mostrar perspectivas diferentes do que é "ser solteira", o se aceita dentro de um relacionamento apenas para mantê-lo, do eterismo, as expectativas e pressões postas em cima de mulheres, estejam elas em um relacionamento ou não. O mangá foi inspirado em um texto de mesmo nome escrito por Mami Amamiya. Ao final do mangá, é possivel encontrar a transcrição de uma discussão entre as autoras.
Uma das frases que mais gostei do mangá, que reflete muito as expectativas e pressões de um relacionamento na vida de uma mulher, foi a seguinte: “A mulher mais solitária de todas não é aquela que está sozinha. É aquela que, por não suportar ficar sozinha, aceita qualquer um que apareça.”.
Moonlight Flowers, Mutsumi Tsukumo
Alguns mangás mais antigos precisam entrar nessa lista, porque continuam extremamente atuais. E esse é o caso de "Moonlight Flowers", um clássico dos mangás yuri. Publicado em 1989, o mangá conta a história de Sahoko e Kaoru, colegas de escola que se reencontram anos depois. Sahoko está noiva e a já existente pressão do noivado, e posterior casamento só piora com o passar do tempo. Além de debater questões LGBT+ ainda muito pertinentes aos dias de hoje, sobre a maneira como a sociedade enxerga o relacionamento entre mulheres, a inimizade que homens heterossexuais nutrem em relação à mulheres lésbicas, o mangá também aborda a expectativa de que mulheres abandonem uma boa parte de si para se dedicar ao casamento, que seu apagamento enquanto indivíduo seja tal, que não é possível vê-las dissociadas da imagem do casamento ou de seu marido.
(Aviso de Gatilho: o mangá aborda violência sexual de forma explícita.)
Daisy Luck, Tsunami Umino
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Essa não é a capa original do volume 1, mas a obra recebeu uma reedição uns tempos atrás e eu gosto muito do resultado final, por isso escolhi ela. |
Depois dos dois gigantes com o qual comecei essa lista, os mangás que vem depois podem ficar parecendo qualquer coisa. Mas eu prometo que não são. Pelo menos pra mim. "Daisy Luck" conta a história de quatro amigas que estão prestes a fazer 30 anos. Com variadas personalidades e estilos de vida, o grupo de amigas é composto por uma dona de casa, uma confeiteira/padeira aprendiz, uma executiva e uma desempregada. Usando mais da comédia para mostrar os momentos da vida dessas quatro mulheres, esse é um slice-of-life que aborda de maneira mais leve a "crise dos 30" e o que decorre dela, sejam as inseguranças, as decisões, as mudanças na vida, as inevitáveis comparações, as alegrias e os percalços da vida. Por mais breves que sejam as aparições das quatro juntas na história, o mangá também celebra a amizade feminina, a necessidade de ter a quem recorrer para pedir conselhos e compartilhar as indecisões, "chorar as pitangas", e comemorar as vitórias.
Além da "história principal" das quatro amigas, o mangá também conta com alguns one-shots.
Tsukuritai Onna to Tabetai Onna, Sakaomi Yuzaki
Mais um mangá yuri, que não será o último, para essa lista. "Tsukuritai Onna to Tabetai Onna" ou, "TsukuTabe" pras mais chegadas, conta a história de duas vizinhas. Uma tem o hobby de cozinhar, amando principalmente grandes porções, e uma tem o hobby de comer. O casal perfeito. Mas para além do romance entre duas mulheres, ponto que por si só já faria o mangá entrar numa lista como essa que propus, o mangá traz o debate, principalmente no primeiro volume, sobre os papéis de gênero. Nos é apresentado de uma forma muito clara como são vistas as mulheres que tem hobbies "caseiros", ou que podem ser relacionados ao lar, como é o caso de Nomoto, que ama cozinhar. Sua individualidade é totalmente ignorada. E, no caso de Kasuga, sua não conformidade com o que é esperado, em algo tão simples quanto sua "vontade de comer", é motivo para criar desavenças. E assim como "Zutto Dokushin de Iru Tsumori?" e "Daisy Luck", o mangá também celebra a amizade feminina, que torna-se um lugar de aceitação e conforto para as personagens.
Kimi ni Aetara Nante Iou, Yoko Namu
Poucas as histórias se propõem a tratar sobre gravidez da forma que "Kimi ni Aetara Nante Iou" faz. O mangá conta a história de Kiri, que vive um casamento tranquilo e feliz com seu marido, Mu. Mas estar na faixa dos trinta anos, e sem filhos, os questionamentos começam a surgir, sejam eles vindos de outras pessoas, ou dela mesma. Essa é uma decisão que ela não pode voltar atrás e tem medo de se arrepender no futuro. De repente, Kiri se vê grávida, tendo que lidar com as emoções decorrentes de sua nova condição, as mudanças que ela precisa fazer em sua vida e aquelas enfrentadas por seu corpo, uma quase indiferença de seu marido em relação a notícia, e as incertezas de uma mãe de primeira viagem. Em meio à sua gravidez, Kiri também tema oportunidade de repensar e refletir sobre sua relação com sua mãe. "Kimi ni Aetara Nante Iou" é um mangá que eu acredito que deve conversar muito com quem deseja ter filhos, está grávida ou já é mãe. O que não quer dizer que quem não se encaixa em uma dessas categorias não vai entender ou se emocionar, já que ele permite a leitora, entender muito do que passa uma mãe durante a gravidez.
Finalizadas as recomendações, queria dizer que é claro que esses não são os únicos mangás que eu poderia ter colocado nessa lista. "Double House", "Ashita Shinu ni wa", "Helter Skelter", "Kaketa Tsuki to Doughnut", "Soshite, Hare ni Naru", "Ano Ko wa Kawaii Soine-chan", "Cotton", "Kakeochi Girl", "Onnanoko ga Daicha Dame desu ka?" e tantos outros poderiam muito bem fazer parte do post, pois em maior ou menor grau abordam sobre questões referentes ao que eu gostaria que esse post fosse sobre, mas eu quis falar sobre aqueles cinco em específico, então foram eles que compuseram as recomendações de hoje. (Mirei em exemplos, e acabei com uma lista inteira de mais recomendações. Acontece.)
Acredito que, de uma forma ou de outra, todos os mangás feitos por e para mulheres permitem com que a gente discuta sobre os papeis de gênero, as imposições, estereótipos e expectativas que decorrem deles, seja por percebermos esses elementos como pontos de conflitos nas narrativas e que leva a leitora a refletir, seja por serem obras que reproduzem as expectativas do status quo e caem em estereótipos de gênero que estamos cansadas de ver.
Muito interessante a postagem! Só gostaria de avisar que o título do primeiro mangá na verdade é "Zutto Dokushin de Iru TsuMori", e não "TsuKori".
ResponderExcluirFico feliz que tenha gostado! 😊
ExcluirObrigada pelo apontamento, nem percebi que tinha digitado errado.